A Nova Escola: como sair do papel e do conceito?
Por Adriana Godoy (1)
Leia o artigo completo, com nossos comentários sobre a legislação indicada, clicando AQUI.
Trabalho, muito trabalho.
Após um ano do meu relato pessoal apresentado no artigo, “Autismo: Goela abaixo da Educação”, tenho uma nova realidade com meu filho no sistema público de ensino, agora em uma escola municipal da cidade de São Paulo, onde também participo do Conselho Escolar. Nessa escola tenho tido a oportunidade de conversar de maneira respeitosa, franca e objetiva com coordenadores, professores e funcionários sobre metas e desafios da inclusão escolar, dele e de outros alunos.
Ao me dispor a falar com a escola e ouvir o que ela tinha a me dizer pude perceber que o que mais assustava os professores era a possibilidade de serem incapazes de fazer algo que lhes é inerente, o ensino escolar. Diante disso, me dispus a lhes passar tudo o que eu sabia sobre autismo e sobre meu filho até ali. Durante um mês, em 2016, duas vezes por semana, num total de 32 horas, estive na escola dialogando com os professores e coordenadores, colocando-me como ouvinte e como oradora, mas, primeiramente, como ouvinte.
Tenho como lema uma frase de Rosane Lowental (2): “A gente não se prepara para aquele que não está”. Por isso, meu papel ali foi criar uma oportunidade para a escola conversar de forma franca e objetiva com quem convive com o autismo.
Simples? Jamais.
Meu filho, com autismo moderado e de pouca verbalização, tem hoje 14 anos de idade, está no 7º ano, pela primeira vez está estudando na escola sem o apoio de seu AT (assistente terapêutico) pessoal.
Após cinco anos com acompanhamento escolar com AT, entendemos que ele precisa dessa oportunidade. Nós, como pais, precisamos saber se essa realidade é possível. Para mim, isso significa estratégias e muito trabalho, pois minha presença na escola é fundamental para ambos os lados. Para o meu filho, até agora, parece que fizemos a escolha certa, pois diariamente chega em casa feliz. E a cada dia compreendo melhor a máxima: “ter deficiência não me faz um incapaz”.
No presente artigo procuro dissertar sobre as medidas que o Ministério da Educação vem orientando sobre o tema da inclusão escolar ao longo dos últimos anos, por meio de Diretrizes, Notas e Pareceres Técnicos. A proposta do Ministério é promover a transição da antiga escola segregacionista para a nova escola inclusiva, a Escola Para Todos.
O que proponho a fazer aqui é apontar pontos estratégicos, a partir do conteúdo dos documentos oficiais, com intenção de facilitar o entendimento de conceitos e indicar o que pode ser feito na prática. Procurei selecionar aspectos que esclarecem as determinações governamentais, principalmente aqueles que ainda geram muita discussão, pois a transição está sendo feita.
De início, é importante fazer uma distinção entre INTEGRAÇÃO e INCLUSÃO ESCOLAR.
INTEGRAÇÃO ESCOLAR é o sistema de inserção do aluno com deficiência na escola regular com apoio do trabalho pedagógico realizado nas salas de AEE, dentre outras estratégias. Segundo a professora Maria Teresa Égler Mantoan, da UNICAMP (3):
Os movimentos em favor da integração de crianças com deficiência surgiram nos Países Nórdicos, em 1969, quando se questionaram as práticas sociais e escolares de segregação. […]
O processo de integração ocorre dentro de uma estrutura educacional que oferece ao aluno a oportunidade de transitar no sistema escolar — da classe regular ao ensino especial — em todos os seus tipos de atendimento: escolas especiais, classes especiais em escolas comuns, ensino itinerante, salas de recursos, classes hospitalares, ensino domiciliar e outros. Trata-se de uma concepção de inserção parcial, porque o sistema prevê serviços educacionais segregados.
Nesse sistema, quando o aluno atinge um determinado nível de “normalização”, pode ser integrado em definitivo à sala de ensino regular. Mas nem sempre isso acontece. Em alguns casos, ele nunca será inserido de fato no contexto social da sala de aula regular, se a escola entender que ele não tem condições para isso. Em outros casos, fará parte das atividades escolares em separado e parte das atividades na sala de aula regular. Em ambas as situações, a demanda não se adequa ao aluno. É o aluno que deve se adequar a demanda.
De um modo geral, no sistema de INTEGRAÇÃO ESCOLAR, o aluno com deficiência estuda com os demais alunos no mesmo espaço físico da escola, mas não necessariamente ao lado deles, na classe de ensino regular.
Na proposta de INCLUSÃO ESCOLAR o paradigma é outro e é esse que almejamos.
A proposta desse sistema é promover na escola o convívio social integrado entre todos os alunos, com deficiência ou não, suprimindo-se as subdivisões entre as modalidades de ensino especial e regular. De acordo com Mantoan (4):
(A inclusão) é incompatível com a integração, pois prevê a inserção escolar de forma radical, completa e sistemática. Todos os alunos, sem exceção, devem frequentar as salas de aula do ensino regular. […]
O objetivo da integração escolar é inserir o aluno, ou grupo de alunos, que foi anteriormente excluído. O mote da inclusão, ao contrário, é o de não deixar ninguém no exterior do ensino regular, desde o começo da vida escolar. As escolas inclusivas propõem um modo de organização do sistema educacional que considera as necessidades de todos os alunos, estruturado em função dessas necessidades.
No Brasil, as práticas escolares realmente inclusivas são ainda incipientes. Contudo, é importante ter a consciência de que direitos educacionais iguais para todos, sem distinção, é um princípio assegurado pela Constituição Federal desde 1988 (3):
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola […]
Posto isso, precisamos considerar a realidade: há resistência por parte de muitas famílias, gestores escolares e especialistas em autismo na área da saúde, para que a INCLUSÃO ESCOLAR se efetive. Essa discussão deve ser considerada pelo poder público, pois muitas famílias lutam pelo atendimento exclusivamente especializado, considerando a ineficiência na aplicação do sistema inclusivo por partes da Gestão das Escolas Regulares e a ineficiência das Secretaria Estaduais e Municipais de Educação na orientação e na oferta do serviço de AEE (Atendimento Educacional Especializado).
Por outro lado, a boa notícia é que, atualmente, já existem escolas particulares que possuem a sala de AEE e oferecem o que determina a Lei Federal: atendimento educacional especializado no contraturno e orientação constante de profissionais especializados aos professores regulares, com as devidas estratégias de ensino, estimulando sua participação na escola. Até há pouco tempo, esse tipo de sala existia apenas em escolas públicas.
Mas há muito o que avançar.
Ao escolhermos a escola em que matricularemos nosso filho, geralmente seguimos alguns preceitos que nos agradam, como filosofia e método de ensino-aprendizagem, envolvimento com as artes, distância entre casa e escola, praticidade, envolvimento com assuntos da comunidade, entre outros… Escolhemos a escola que queremos ou acreditamos ser a melhor para nosso filho. Contudo, na perspectiva legalista e constitucional, os motivos da escolha não importam: toda escola deve ter um Sistema Escolar Inclusivo. E a famosa pergunta, “Você conhece alguma escola inclusiva?”, não deve mais ser feita, pois todas as escolas, públicas ou particulares, têm a obrigação de ser inclusivas.
Como pais, precisamos trabalhar com a sociedade e com as instituições educacionais para que todas as escolas sejam inclusivas, pois de outra forma estaremos sendo permissivos com a exclusão. Precisamos assumir uma postura de parceria com a escola, definir estratégias conjuntas, levar a informação quando preciso, e também exigir que ela cumpra seu papel. Não devemos recuar diante disso.
A seguir, estudaremos pontos fundamentais a respeito de problemas e barreiras atitudinais para a inclusão escolar, que enfrentamos constantemente, a partir da leitura dos seguintes documentos:
- ORIENTAÇÕES para implementação da política de educação especial na perspectiva da educação inclusiva. Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial, 2015 (6).
- DIRETRIZES da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008). Idem, p. 39.
- NOTA TÉCNICA 11/2010. Assunto: Orientações para a Institucionalização na Escola, da Oferta do Atendimento Educacional Especializado – AEE em Salas de Recursos Multifuncionais. Idem, p. 129.
- NOTA TÉCNICA 15/2010. Assunto: Orientações sobre Atendimento Educacional Especializado na Rede Privada. Idem, p. 140.
- NOTA TÉCNICA 04/2014. Assunto: Orientação quanto a documentos comprobatórios de alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades / superdotação no Censo Escolar. Idem, p. 53.
- NOTA TÉCNICA 19/2010. Assunto: Profissionais de apoio para alunos com deficiência e transtornos globais do desenvolvimento matriculados nas escolas comuns da rede pública de ensino. Idem, p. 143.
- PARECER TÉCNICO 71/2013. Assunto: Transtorno do Espectro Autista. Idem, p. 167.
Leia o restante desse artigo, com nossos comentários sobre a legislação indicada acima, clicando AQUI.
Espero que, com esse material, possamos ajudar você a entender o tamanho da luta. E lembre-se sempre de que a participação na escola é um direito nosso. Não será fácil, mas um longo caminho já foi percorrido por centenas de famílias para que hoje pudéssemos falar de Sistema Educacional Inclusivo.
Saibamos ouvir, para podermos falar.
Adriana Godoy, março de 2017.
Referências:
(1) Adriana Godoy é musicista, cantora profissional, mãe de um adolescente autista e coordenadora do Autismo Projeto Integrar. Contato: adrianagodoycantora@gmail.com
(2) Rosane Lowental é Coordenadora da Unidade de Referência em Autismo Professor Marcos Tomanik Mercadante, da Irmandade Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, e uma das colaboradoras do Ministério da Educação para implantação do Ensino Inclusivo no País.
(3) MANTOAN, Maria Teresa Eglér. Inclusão escolar: O que é? Por quê? Como fazer? São Paulo: Moderna, 2003, p.15. Grifo nosso.
(4) Idem, p. 16.
(5) BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Site da Presidência da República. Disponível em: https://goo.gl/HwJ1Q
(6) BRASIL. Orientações para implementação da política de educação especial na perspectiva da educação inclusiva. Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial, 2015. Disponível em: https://goo.gl/hfGNe0
Observação importante:
Este conteúdo é de propriedade intelectual de Adriana Godoy. Ao utilizá-lo, a fonte, a data e o link deverão ser citados.
4 comentários
Parabéns, a nova escola pelo artigo. Pois como mãe de um autista venho lutando com o processo de inclusão do meu filho, vejo o desinteresse dos profissionais da educação em se atualizar no assunto,ou até mesmo em buscar informações para fazer um bom trabalho. Quando falo em que a escola que tem um aluno inclusivo tem que haver um projeto de inclusão parece que estou falando grego,e as atitude que tomam em relação ao comportamento do meu filho autista, vejo que estão muito longe do processo de inclusão. Tenho conseguido sucesso com seu desenvolvimento,porque procuro estar junto e mostrando os caminhos de como lidar com ele. Agradeço a nova escola por te me enviado a matéria e gostaria de receber outras.
Oi Leonice, obrigada pela mensagem. Sim, precisamos trabalhar com escola. Exigir que cumpram seu papel, mas devemos ser pró-ativos. Não vejo outro caminho.
Apenas uma correção. A matéria se chama, “A Nova Escola: Como sair do papel e do conceito”, porém não é um artigo da revista Nova Escola. Esse artigo foi desenvolvido por nós do Autismo Projeto Integrar.
Muito obrigada por seu comentário, se já fez sua inscrição em nosso site, sempre receberá nossos informativos.
Abraços, Adriana Godoy.
Oi Adriana, gostei muito do artigo. VC conhece um livro chamado: Singularidade na Inclusão: Estratégias e Resultados Autores Nivea Maria de Carvalho Fabrício; Vera Carvalho; Vera B. Zimmermman editora Esfera?
É muito bom. espero que vc goste da dica;
abrações Profª Francis
Obrigada Francis! Vou atras do material indicado. Abraços.