Apresentação sobre autismo e música no TEDx Jardins (SP)
Apresentação para o TEDx Jardins (SP), em abril de 2014 (abaixo do texto o vídeo do que foi apresentado.) com o tema “A Força dos Pais”.
Em função da edição de vídeo, os slides que foram mostrados no dia e algumas das conclusões expostas foram cortadas, então decidi transcrever o texto da minha apresentação na íntegra, para uma melhor compreensão da minha dissertação.
Meu profundo agradecimento a Heloísa Hanna, minha professora de piano, que ouviu e me questionou positivamente e a minha irmã Marcela Godoy, escritora profissional, que durante sua madrugada preparou comigo a apresentação e sintetizou meus pensamentos nos textos mostrados nos slides.
Autismo e música
Slide 1:
Música e Autismo
Elementos distintos, porém interligados.
“Olá a todos, meu nome é Adriana Godoy eu sou cantora profissional, musicista e mãe de um garoto autista.
E agora vou falar sobre Autismo e música, que, no meu entendimento são coisas que, embora distintas, estão muito interligadas.
Então começo apresentando a vocês alguns conceitos daquilo que forma a musica, pra que eu possa, a partir daí, traçar uma analogia da música com algumas particularidades do autismo.
Essa introdução é importante para entendermos como e porque a música transforma e faz tanta diferença no auxílio à comunicação e expressão do autista.
SLIDE 2:
Música é: Ritmo/ Melodia/ Harmonia
A música é ritmo, harmonia e melodia e esses três elementos dependem de uma sólida estrutura, que é a pulsação de uma musica.
Slide 3:
Música é: Estrutura/ Geometria/ Coordenação
A pulsação, na música, é o coração dela, e sua função se assemelha à do nosso coração. Assim como nosso batimento cardíaco pode variar, também pode variar a pulsação na música.
Por exemplo: se você esta dormindo, correndo, estressado, relaxado, seu batimento cardíaco trabalhara numa velocidade e toda sua estrutura corporal estará ligada a esse batimento. Da mesma maneira, a pulsação musical vai determinar toda estrutura em torno da composição musical.
É necessário que um grupo que toca uma música sinta de forma igual essa pulsação para poder reproduzi-la. Não dá pra cada músico sentir a pulsação musical de uma forma, senão sua execução é comprometida.
Imaginem que loucura se cada membro de uma orquestra sentisse uma pulsação musical diferente?
SLIDE 4:
Música é Ordem ; Música não é Caos
No dia a dia, as situações aparecem pra gente com uma pulsação. Cada momento de nossas vidas tem uma pulsação própria, que pertence somente a ela própria e a nós mesmos, que a estamos sentindo.
Eu, meu marido, meu filho, sua cunhada, cada um tem seu pulso… E pra que a gente consiga dar conta de determinada situação, todos precisam ceder, abrir mão, desse seu próprio pulso, para que a pulsação da situação, como um todo, possa ser percebida. É só dessa maneira que a gente consegue se inserir, participar dessa situação, seja ela positiva ou negativa.
Por exemplo: Se você entra num ambiente calmo e você está agitado, você vai destoar desse ambiente. E o que você vai fazer? vai embora? Não, vc não vai.
Conviver com autismo é isso.
SLIDE 5:
O autista: Maestro exigente; Músico impecável; Ouvinte refinado.
Todos se envolvem, percebem essa diferença de pulsação e precisam recebê-la e sintonizar-se com ela.
[Isso é uma coisa que a gente vive muito, as famílias estão numa boa e chega o autista completamente fora do beat de todo mundo e todos se sentem desestruturados. Ficam olhando de lado, como se fosse desconcertante aquela situação…
Não, não é … É só uma pulsação diferente e todos podem estar em harmonia com essa pulsação. Assim como podemos trazer o autista pra nossa pulsação, podemos também chegar na pulsação dele, tipo… – “Vem! Pode chegar com sua agitação, a gente também chega até ela e a gente sabe se harmonizar com a sua agitação! Você cabe dentro da nossa estrutura, você cabe dentro dessa situação que a gente esta vivendo nesse momento”.]
A partir dessa solidez que é a pulsação, a base, nós chegamos ao ritmo.
Slide 6:
O mundo para o autista:
O meu ritmo X O ritmo do mundo
Minha melodia X O melodia do mundo
Minha Harmonia X A harmonia do mundo
O ritmo são moldes de expressão desses batimentos, desse pulso. Cada um tem uma forma pessoal de lidar com o ritmo. Cada um de nós tem uma forma pessoal de receber determinada informação; O ritmo é a forma com que lidamos com nossa própria vida. Daí dizermos que “Cada um leva a vida num ritmo, certo?”
E totalmente ligada a essa estrutura nós temos a melodia.
SLIDE 7:
O mundo para o autista:
Meu ritmo preciso
X
O descompasso do mundo
Minha melodia afinada
X
A melodia dissonante do mundo
Minha harmonia colorida
X
A harmonia rabiscada do mundo
O que é a melodia numa música? A melodia numa música é a primeira manifestação de comunicação que temos com nossos ouvintes. É o caminho escolhido para entoarmos uma frase de notas musicais… e essa comunicação não precisa de letra pra ser compreendida, ela pode apenas ser sentida…
O que a gente não se dá conta é que por trás dessa melodia, existe um terreno muito fértil, é toda uma estrutura sonora, que vai fazer com que aquele canto, aquela melodia, tenha algum sentido e possa caminhar de uma forma livre de acordo com a espontaneidade de cada um.
Até aqui falamos de estruturas distintas e indissociáveis que interferem umas nas outras e que devem fluir acima de tudo.
Falamos de um ambiente totalmente estruturado, organizado, onde cada um desses elementos tem uma função especifica e seu próprio grau de importância.
E é a partir da combinação perfeita desses elementos que a música acontece. É por isso, inclusive, que somos capazes de aprender a música, memorizá-la e reproduzí-la. Por sua ordem estruturada.
Poucos, mas muito poucos de nós, são aqueles que percebem que pra que uma música aconteça, uma comunicação seja feita é necessário que um ambiente todo esteja propício pra ela. E na verdade essa ambiência vai interferir diretamente nessa comunicação ou na construção de uma melodia. A música é isso é o ambiente que envolve essa melodia.
Dificilmente vamos ouvir uma banda onde cada um toca de forma desorganizada. Isso seria impossível… Nós iríamos ouvir e dizer,: “Ai que coisa horrível!… ficaríamos inquietos, não nos sentiríamos seguros com aquilo, porque aquela proposta que nos foi apresentada não faz o menor sentido para nós. Nós iríamos repudiar aquele som…
É por essa razão, como musicista e mãe de um autista, que eu acredito que o excesso de estímulos que nossos filhos autistas recebem, soem para ele como uma banda completamente desafinada aos seus ouvidos perfeitos e absolutos. O que causa um desconforto maior do que emocional: mas um desconforto físico.
E a partir daí tudo dá errado, como se tudo se quebrasse e eles ficam totalmente desestruturados.
Slide 8:
Inclusão:
Quero ouvir sua música
Quero sentir sua música
Ouça minha música
Sinta minha música
Reconheça-se em mim.
E é aqui que música e autismo se encontram.
A percepção do autista do mundo é como a percepção do maestro mais exigente e cuidadoso, diante de uma orquestra de músicos que ele nunca viu, nem ouviu tocar, e de uma sinfonia que ele não escreveu.
Então eu me pergunto frequentemente:
– Como e o que toca minha banda?
– Ela está num ritmo agradável, onde aqueles que participam dela sejam capazes de acompanhar de se integrar?
– Ela está com uma harmonia, um ambiente favorável para que a melodia, sua expressão mais comunicativa, possa florescer livremente?
– Uma comunicação aconteça da forma que ela tem que acontecer, sem que eu fique interferindo nessa
Nós, pais, familiares, sociedade, precisamos trabalhar como compositores de uma música e maestros de uma orquestra.
Cada nota deve ser cuidadosamente escolhida, ter sua função e importância. Ter coerência e organização. Só dessa forma a comunicação vai acontecer.
Devemos enxergar através daquilo que queremos como resultado e não simplesmente deixar as coisas acontecerem, para depois analisarmos o resultado.
Mesmo diante de um ambiente inesperado ou diferente, como o ambiente musical de improvisação do Jazz, essas melodias estão sendo criadas dentro da estrutura da harmonia e do ritmo proposto.
É isso que traz segurança para essa criatividade. E esse é o nosso dia a dia.
Todos somos improvisadores. Criamos melodias improvisadas que percorrem um caminho, com começo, meio e fim, como uma história a ser contada, mas, sempre, num ambiente estruturado.
Isso não significa que nossa música só é música para nossos ouvidos. Estruturar um ambiente não é isolá-lo do conjunto dos demais ambientes.A vida não assim. Não é isolada. A vida é em conjunto.
Música não acontece sozinha ela depende de muitos elementos que agem juntos, e isso é inclusão.
A Inclusão familiar é nossa pulsação, é a base de nossa vida. Ninguém sobrevive sem essa base. Podem até substituí-la, encontrar essa base em outro lugar, mas não é possível imaginar a vida sem ela…
A Inclusão educacional é nossa segunda fonte de estrutura, pois é na escola que praticamos todo nosso conceito de sociedade.
A convivência fora do nosso lar é nosso ritmo, um ritmo que se determina pelas formas que nos relacionamos com o mundo para além da porta de casa.
É como vamos lidar com as coisas, como o autista vai lidar com as pessoas e como as pessoas vão lidar com os autistas.
São nossos filhos que vão dizer: – Olha eu tenho um colega autista na escola e ele é legal, ele está bem, ele morde o próprio braço, ou ele corre o tempo todo, ele falou hoje, ele tira 10 em matemática, mas não usa agasalho no frio…
Por fim, temos a Inclusão social, que é o ambiente onde iremos nos expressar, expressar nossa comunicação, nossa melodia.
Através da Inclusão Familiar e da Inclusão educacional é que o autista vai estar inserido e respeitado em nossa sociedade.
Por vezes, as situações não sairão como previsto.
Mas a forma com que lidamos e com que apresentamos esse imprevisto ao autista fazem toda diferença para que o caminho de comunicação que escolhemos seja entendido pelo autista, seja aceito como a melodia adequada para aquele momento.
E talvez comportamentos tão rígidos, imprevisíveis, assim como constrangedores possam ser amenizados. E uma melhor aceitação de uma situação específica possa ser revertida.
Vou dar um exemplo prático… O autista é muito rígido no seu comportamento, e às vezes a gente tem que lidar com situações terríveis por conta disso… De repente eles explodem, pq alguma coisa não saiu como eles queriam, pq ele padronizou na cabeça dele que tinha que ser de uma forma e vc não sabe o que fazer… Ele vai se morder, se jogar no chão no meio do restaurante e dar escândalo, tudo pq a cadeira na cabeça dele devia estar num lugar e foi colocada de outra forma e isso é um imprevisto terrível… Ele acha que aquilo ta completamente quebrado… a segurança dele vai por água abaixo…
E então como nós vamos lidar com essa situação? Vamos falar pra ele: – Olha, isso aconteceu, não foi previsto, mas vc pode lidar com isso”, mas pra que ele possa lidar com essa situação, primeiro temos que ser capazes de lidar com esse imprevisto.
Precisamos ouvir essa nota desafinada que só ele ouviu e tentar lidar com ela.
Precisamos estar seguros para transmitir essa segurança na hora da grande desordem.
Por isso eu acredito que a música seja tão marcante na vida do autista. Seja tão positiva. A música oferece um ambiente totalmente coordenado, afinado. A manifestação da comunicação acontece, seja corporal, com canto, com sorriso, choro ou com palavras. Somos capazes de sair de nós mesmos para nos igualarmos e nos encontrarmos esse ambiente tão agradável, organizado e convidativo pra nós que é a música.
Sem que a gente se de conta, a estrutura musical é a estrutura que envolve nossas vidas. Como se vivêssemos dentro de uma grande Sinfonia, com movimentos, sentimentos, resultados e instrumentos variados.
E foi partindo desse conceito de estrutura, que eu entendo e vivencio com meu filho, juntando todos esses elementos de organização, que percebi que eu poderia prover ao meu filho as músicas de sua vida.
Ora, se como musicista sou capaz de ler música, através da partitura, e me integrar a ela, por que não usar esse princípio para ajudar meu filho a se integrar com a grande sinfonia da vida? Por que não ajudá-lo a compor sua própria música?
E como fiz isso?
Aproveitei o talento do meu marido, meu marido é desenhista e nós usamos uma forma estruturada de comunicação, que nosso filho é capaz de interpretar, e criamos desenhos para comunicar a ele o que acreditamos que, como pais, ele deva aprender.
Demos a ele uma ferramenta de apoio visual para que ele seja capaz de interpretar situações e ações.
Como uma partitura musical, damos uma estrutura com ritmo e ambiente, para que ele produza sua própria melodia, sua comunicação.
Essa ferramenta de apoio visual são desenhos roteirizados de ações e momentos que queremos que ele interprete melhor. Que ele compreenda melhor, se tornando um observador de sua própria ação.
Em várias situações, como banho, escovar os dentes, ir ao cinema, ir a escola e aceitar a ajuda da professora ou assistente de classe, mostramos um desenho roteirizado, como a partitura de uma música a um instrumentista e dizemos pode tocar e o musico, o faz, cada um com seu som, com sua melodia, mas executa a música pedida.
E durante o dia, várias musicas são entoadas, vários desenhos são vistos, até que isso fique decorado, entendido e se torne parte da vida dele, assim como uma música que ouvimos várias vezes e cantamos decor…
E se esses desenhos essas experiências positivas nos ajudam tanto, porque realmente nos ajudam, porque não compartilhar com outros?
Então, decidimos disponibilizar todo material que fazemos pro nosso filho através de um site. E criamos o site: Autismo Projeto Integrar, onde produzimos essas ferramentas de apoio visual, essas partituras, para gerar capacidade aos nossos filhos.
Pois acreditamos que apoio gera capacidade.
Façamos nossos filhos capazes e devemos acreditar todos os dias, que mesmo em nossos maiores desafios, que podemos fazê-los capazes.
Sejamos os compositores de nossas ações e maestros de nossa Vida.
Muito Obrigada.”
Adriana Godoy, 10/04/2014.
Assista ao Vídeo:
5 comentários
Adorei a analogia, muito pertinente, parabéns!
Obrigada Sandra!
Que tremendo!
Que sensibilidade!
Emocionantemente reflexiva!
Muito obrigada Andreia!
Obrigada o carinho!