Autismo: “Goela abaixo da Educação”
(Texto publicado originalmente em 09 mai. de 2016)
Um breve relato, e o que está por trás disso…
“A diretora pediu para dizer, que não pode te atender e disse que você procure a Delegacia Regional de Ensino para verificar qual escola esta preparada para receber seu filho, porque nós não estamos (nov. de 2015)”.
Foram essas as palavras que escutei da secretária que me atendeu, quando eu disse qual assunto gostaria de conversar com a diretora. Sendo essa uma das melhores escolas estaduais de curso regular de SP (segundo o ENEM, entre as 10 melhores escolas estaduais) próxima a minha residência.
Ingressei meu filho com autismo no Ensino Público (6º ano – Fund. II) para garantir a ele, o que é de direito, incluindo a orientação de uma Secretaria de Especialização em Educação Inclusiva.
Entre vários aspectos que envolvem o direito de meu filho como cidadão tê-lo matriculado no Ensino Público ao lado de sua residência, significaria lhe proporcionar mais qualidade de vida e maior potencial de autonomia, já que ele iria para o 6º ano, aos 13 anos de idade e se tratando de um garoto do espectro autista eu poderia iniciar outra fase de construção com ele, que seria seu aprendizado social e educacional próximo a sua residência. Facilitando sua mobilidade, promovendo seu maior aproveitamento escolar, com um menor desgaste no trajeto da cidade, incluindo um motivo primordial ao seu desenvolvimento sensorial, cognitivo, social e geográfico, que é sua pratica de ida e vinda, nas ruas, avenidas de seu bairro, bem como a identificação de comércios e outros estabelecimentos que caracterizem aprendizado social, estimulando e dando capacidade para sua autonomia.
E a minha resposta à secretária foi:
“- Diga a sua diretora que se essa escola não esta preparada para recebê-lo, ela vai se preparar. E eu tenho à tarde para aguardar o momento de ser atendida. E essa resposta ela não poderá dizer para outra mãe”.
É claro que eu poderia ter criado uma situação altamente indigesta, na mesma proporção do que me foi dito, mas optei por saber exatamente do que estavam falando, para que eu tivesse o mesmo direito de ser ouvida.
Nem tocarei nesse momento na quantidade de ilegalidades e questões administrativas que essa postura se aplica. Falo aqui de uma divisão clara que existe nos profissionais da educação: os que acreditam no ensino inclusivo e os que não.
E nesse sentido escutei o discurso “arcaico” da instituição dizendo que os professores eram tradicionais, sem especialidade e tão pouco com experiência com “esse tipo de aluno”. Deixando claro que “esse tipo de aluno”, desestabilizava a ordem e a capacidade dos professores tradicionais daquela escola. E que “apenas alguns poderiam tentar faze-lo, mas só poucos”.
Respondo essa questão com uma frase simples de Rosane Lowenthal, que é Coordenadora da Unidade de Referencia em Autismo Marcos Mercadante, da Santa Casa de São Paulo e uma das implantadoras do Ensino Inclusivo em nosso País, desde a década de 80:
“A gente não se prepara para aquele que não esta!”.
Por isso os alunos com autismo devem estar nas escolas regulares.
Até poucos anos esses alunos ou estavam dentro de seus lares, ou sujeitos a boa vontade de um único diretor ou coordenador, que seria a “salvação dessa família”, ou nas escolas especializadas que poderiam promover seu desenvolvimento pedagógico, com estratégias mais elaboradas, mas não a inserção e aprendizado social cotidiana desse indivíduo, que é o que a instituição escolar também representa, como um primeiro aprendizado dos desafios que a sociedade pode lhe impor.
E limitar o aprendizado do aluno na escola ao saber exclusivamente pedagógico ou exclusivamente social é limitar a capacidade da instituição escolar.
Os professores, coordenadores deverão ter outro olhar para esse aluno, historicamente antes tido como um incapaz. Olhando o aluno como um indivíduo. Logo essa é uma mudança na visão sobre qualquer aluno, os estimulando, desafiando e apoiando.
Sim. O Ensino Educacional Especializado deve ser a referência norteadora da instituição regular. De pedagogo para pedagogo. Compartilhando estratégias, informação. E cada escola define seu plano pedagógico e cada família deve procurar essa escola porque acredita nesse plano pedagógico. Essa construção é conjunta.
A promoção do Ensino Especializado já é uma realidade brasileira e os educadores e gestores devem ver a aquisição dessa informação como uma ampliação de seu conhecimento e ação. E não como uma “pedra no sapato” ou algo que você simplesmente escolhe não se envolver.
O Ensino Inclusivo na escola regular ou o ensino nas escolas para crianças e jovens com necessidades especiais é um direito do cidadão. E quem determina essa matrícula é a família. A família escolhe o caminho que deve seguir.
Em nossa legislação existem documentos que devem ser estudados e praticados pelas escolas regulares. São Leis, Normas Administrativas e Orientações de Referência de como o Ensino Inclusivo dever ser implantado em nosso País, considerando nossa diversidade cultural e desafios sociais. Esses Documentos Reguladores devem ser comuns às instituições escolares e às famílias.
Todos os documentos estão disponíveis no site do Ministério da Educação.
Dando continuidade a nossa história pessoal, em 2016 nosso filho foi encaminhado para outra escola, pois mudamos para outro bairro e no Ensino Público estudar próximo a sua residência é seu direito como cidadão. Caso esse aluno ou responsável não queira essa escola, ai sim solicita sua transferência para a escola de intenção, após se matricular e garantir sua vaga.
Nosso filho iniciou na nova escola que nos recebeu de braços abertos, pelo Coordenador com Especialização em Educação Inclusiva que acabara de assumir seu posto.
Parecia um sonho.
E era.
Após 20 dias de reuniões e planejamento o mesmo fora transferido para outra escola e nós ficamos 30 dias sem Coordenador. Se não fosse pelo Assistente Terapêutico (AT) de meu filho, um estudante de psicologia (para promoção do desenvolvimento social e atividades de instrumentação da vida diária – AIVDs), poucas atividades estariam realizando, pois os professores se mostram assustados e desorientados. Tornando a insegurança que sentem, sua própria incapacidade e falta de interesse em promover atividades planejadas e estruturadas já nos moldes do que foi falado e apresentado em reunião anterior. Não os isento, porém não os julgo. Pouco seria feito sem uma coordenação os unificando e orientando.
- A Direção Pedagógica e Coordenação Pedagógica são fundamentais para atuarem e direcionarem os professores em como praticar o aprendizado inclusivo. Sem essa estrutura de gestão conquistaríamos apenas interesses e atitudes segmentados entre os professores e isso não é ensino inclusivo. Essa ausência de unificação é retratada constantemente em nosso cotidiano com a máxima:“Claro que seu filho é bem-vindo, porém não posso garantir que todos os professores terão interesse em fazer um trabalho mais direcionado para ele”. O Ensino Inclusivo não deve ser reduzido a boa vontade de um educador. O ensino inclusivo, requer trabalho, mudança de atitude e paradigma, exige dedicação e vigilância em nossas atitudes.
De volta ao relato pessoal…
Recentemente, após 80 dias de nova escola me encontro com o novo diretor que tomou seu posto há 20 dias, e o questiono: “- O Sr. já esta ciente de seu aluno com autismo do 6º ano C. E eu preciso saber qual o planejamento pedagógico que traçou para ele, pois os professores sozinhos, não conseguem avançar com isso”.
E em seu discurso, onde sua postura é expectante frente a necessidade de agir, porém com o intuito de ser intimidador e não antes de me dizer que meu filho estar na escola já era promover sua socialização, ele inseriu a frase:
“- Depois que o Estado resolveu coloca-los goela abaixo… (abril de 2016)”.
Eu o interrompi e respondi:
“- Isso. É exatamente como o Sr. disse, o autismo de meu filho também me foi colocado goela abaixo e isso não é um problema de vocês, só que o que falo aqui é de escola, e eu não vou aceitar esse discurso acomodado e conformista.
O que temos aqui é corpo docente, um material humano capaz, a menos que o Sr. me diga que seus professores não são capazes de dar aula para nenhum aluno.
Se hoje eu sei lidar com o autismo é porque tenho um filho com autismo e agora a sua escola vai ter que fazer a parte dela. E eu não aceito dizer que ele estar aqui dentro é promover sua socialização.
Socializar é participar, e estudar é aprender.
Ele não será um adorno saltitante dentro escola”.
Agora questiono o educador que valida esse discurso, mesmo que de forma velada:
– Os Srs. acreditam mesmo que no séc. XXI não há forma de adquirir o conhecimento necessário para a promoção da Inclusão Escolar do autismo, de maneira eficaz?
Esse é o enfrentamento de cada Educador e Gestor Escolar.
Três coisas posso lhes garantir:
- 1ª. O autismo será sim colocado goela abaixo da Educação Regular, pois “A gente não se prepara para aquele que não esta (Rosane Lowenthal)”.
- 2º. O autismo trará para seu aprendizado de gestor, educador e professor possibilidades e desafios. E seu saber será fundamental para que essa inclusão seja efetiva.
- 3º. Os familiares e esses alunos precisam de vocês. E acreditem que juntos esse vale entre a insegurança e o que deve ser feito, será quebrado.
Venho de uma família de educadores. Sou neta, sobrinha-neta, filha e sobrinha de educadores. Não concebo o argumento do “não sabemos como lidar”, mas sim: “faremos dar certo!”.
O autismo têm mistérios, porém muito já se sabe, é desvendado.
Em todo País existe informação séria, com referências científicas especializadas em autismo: O que é, e como desenvolver o potencial cognitivo e a interação desse aluno na sala de aula e na escola. Direcionando inclusive como considerar suas especificidades sem ter uma postura protecionista, o impedindo de avançar em suas dificuldades. Mas utilizando de adaptações e estratégias eficazes de ampliação do saber e socialização.
Em suma: O autismo foi colocado goela abaixo de nossas vidas e promove nossas melhores e aprimoráveis capacidades humanas. Os educadores que acreditam no ensino inclusivo, sabem e trabalham diariamente para deixar claro a sociedade que ser deficiente não o reduz a um incapaz.
Adriana Godoy. 09 de maio de 2016. Autismo Projeto Integrar. Citar fonte obrigatória.
Tag:2 de Abril, Autismo, Autismo Autista, autismo e autonomia, autismo e comportamento, autismo e desenhos, autismo e escola, autista e escola, Autonomia, autonomia do autista, desenho para autista, Desenho para auxiliar na escola, Desenho Para Escola, Desenhos para Autista, desenhos roteirizados para autista, Inclusão, Inclusão escolar
2 comentários
Estou passando por essa situação. Meu filho, autista não verbal, ficou desde 2011 em uma escola particular, onde fizemos sempre parte de reuniões onde eram feitas adaptações no currículo escolar para que ele pudesse aprender e conviver com os colegas. Não foi fácil, mas conseguimos avaliar os conhecimentos que ele adquiriu. Hoje ele está indo para o sexto ano e essa escola não o manterá, pois a nova coordenação não tem como adaptá-lo. Fui atrás do Estado, consegui uma escola da prefeitura, perto de casa. na segunda feira irei conversar com a coordenadora, torcendo para que tudo dê certo.
Oi Vivian, siga em frente! O trabalho é grande mas acreditamos que valhe!
Só não entendi a questão sobre a “nova coordenação não poder adaptar o material”. Isso é ilegal, e configura “descaso deliberado”.
Porém a boa noticia é que muitas escolas publicas estão avançadas no sistema inclusivo.
Leia nosso recente artigo: A Nova Escola, acredito que possa ajudar nesse processo.