Inclusão escolar: porque devemos falar sobre isso
Por Adriana Godoy, 21 set. 2017.
“Ele tenta, gosta de ter amigos” (mãe de menino com Asperger expulso de sala).
CUÉ, Carlos. Colégio na Argentina tentou proteger o menino, mas pais de alunos fizeram greve por expulsão. Site do jornal El País, 05 set. 2017. Disponível em: https://goo.gl/HtkC91
O que aconteceu na Argentina não é um caso isolado. Famílias preconceituosas, escolas que não assumem suas obrigações… Isso também acontece em escolas brasileiras.
É por isso que precisamos falar sobre inclusão escolar de forma incisiva e assertiva. Devemos ser repetitivos e até maçantes, principalmente, para aqueles que não entendem ou acham que não precisam ou, simplesmente, são contrários a essa ideia.
Inclusão escolar é mais que uma ideia, é um direito. Está prevista em lei – especificamente, na Lei Federal nº 7.853/89 – e deve ser cumprida.
Mas, antes de ser lei, a inclusão é uma questão de Direitos Humanos. Incluir significa trazer de volta à vida social aquele que foi retirado dela ou que teve negado seu legítimo direito de integrá-la. Segundo Declaração Universal dos Direitos Humanos:
“Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos […]” (artigo 1º).
“Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma […]” (artigo 2º).
Se de alguma forma seu conceito de inclusão é excludente, você tem um problema de raiz. Você precisará se modificar, pois sua visão excludente poderá fazer de você, ou de alguém que você ama o próximo a ser excluído…
Não, isso não é uma praga. É a lei da vida. Todos estamos sujeitos aos ciclos de renovação que muitas vezes invertem os papeis contra a nossa vontade…
Estamos em 2017 e ainda assistimos a atrocidades humanitárias. Se de um lado nos choca, por outro é importante porque nos aponta o que ainda precisa ser transformado. A partir de pactos internacionais, como o que citamos, os consensos se tornam direitos e os direitos se tornam práticas e parâmetros de conduta para todos, mesmo para que os que não os aceitam. Estamos falando de questões legais e não de “favores”.
No Brasil, em 2017, não aceitar a inclusão escolar é crime. Ensinar seu filho a roubar é crime. Ensiná-lo a ser excludente também. Inclusão é primeiro, uma responsabilidade parental e essa responsabilidade se estende à escola e a sociedade.
Vivemos num mundo de absorção das diversidades. Os estudos científicos mostram que o cérebro “atípico” é tão ou mais fascinante que o cérebro “neurotípico”, que trabalha dentro de um parâmetro de normalidade. A inclusão escolar é o reflexo dessa nova forma de viver, de enxergar o mundo e suas diversidades.
Quem se arrisca afirmar que “neurotípicos”, as crianças e jovens “normais”, não trazem desafios à vida escolar? Se sua resposta a essa questão é minimamente positiva, mostra a mim pelo menos, o porquê de termos uma educação escolar que não têm como base o potencial do aluno, e sim o que ele deve ou não produzir exclusivamente.
O convívio, a tolerância, o respeito são desafios comuns de toda a humanidade. As escolas, portanto, têm um grande desafio pela frente. E o primeiro passo é conversar claramente sobre o processo inclusivo. No geral as escolas têm medo, elas não falam.
É muito importante que esse diálogo sobre inclusão escolar, seja constante e envolva toda a comunidade escolar: gestores, professores, funcionários, alunos e seus familiares. É essencial que as escolas discutam sobre as deficiências e suas especificidades, e que lutem pela inclusão.
Enquanto dirigentes escolares e professores entenderem que a inclusão é um “favor”, e não um direito, a escola estará sendo conivente com as atrocidades de pais excludentes.
“Bancar” o desafio da inclusão escolar não é nada fácil, porque falamos de uma mudança social profunda. Inclusão escolar não é efêmera. Inclusão escolar é “resetar” um sistema e reprogramá-lo de outra forma.
Quando falamos de crianças e jovens com autismo muitos temores vêm à tona, em função de suas dificuldades peculiares de aprendizagem, comunicação, socialização, comportamento, processamento sensorial… Contudo, por experiência própria, posso afirmar que essas crianças e jovens são capazes – muito capazes – de aprender, conviver, se relacionar, se desenvolver, brincar, ser uma criança com gostos e desgostos, ser um adolescente divertido ou calado, extrovertido ou introvertido, com dificuldades de aprendizagem ou não, extraordinário em áreas específicas e, ao mesmo tempo, com dificuldades em desenvolver um diálogo com mais de cinco ou seis falas…
Escolas: cumpram com o seu dever. Façam o que deve ser feito. Não responsabilizem os familiares dos alunos ditos “de inclusão” pela inclusão que sua instituição deve prover. Promovam a aprendizagem e a convivência respeitosa entre os educandos. Conversem com as famílias de todos os alunos. Conscientizem! Esse é o seu papel.
Estabeleçam uma política clara e transparente sobre o tema. Definam as regras para as famílias cujos filhos já estão matriculados e para as outras que chegarão. A inclusão escolar é um tipo de transformação social em que todos têm responsabilidades. Nós como pais matriculamos nossos filhos em instituições públicas ou privadas que praticam o que acreditamos.
Fundamentem suas decisões na legislação, no conhecimento da causa e na perspectiva de uma sociedade mais justa e plural. Não se paralisem frente à exclusão. Não permitam que alunos mais frágeis e em menor número sejam humilhados. Discriminação é crime.
Encerro citando três artigos da Constituição Federal, que definem de forma objetiva, e bastante “prática”, as responsabilidades da escola para com TODOS os seus alunos. Se refletirmos bem, essas definições são muito mais práticas do que julgamos…
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber” (…)
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
BRASIL. Constituição Federal. Capítulo III – Da Educação, da Cultura e do Desporto; Seção I – Da Educação, artigos 205, 206 (parte) e 227.
2 comentários
Texto muito bom, pena que na realidade seja bem diferente. Se não fosse o beneficio que meu netinho recebe, na qual pagamos uma escola para crianças especiais, ele estaria em casa. Mesmo antes de saber que ele tinha autismo, ficamos 3 anos esperando uma vaga nas creches públicas. Quando finalmente uma nos chamou, só porque o menino já apresentava hiperatividade, a própria diretora nos disse que não tinha como ele ficar, pois eram 20 crianças por sala para 1 professora! Enquanto isso, graças a Deus, frequentava escola especial. Finalmente conseguimos uma vaga em uma Emei. Ficou 1 ano , com cuidadora, porque a diretora era maravilhosa! Acabou o ano e voltaram os problemas… Porquê? Porque o sistema precário de nosso estado de são Paulo não separa os nomes das crianças que necessitam de cuidados especiais e muitas escolas estaduais e municipais não tem! Fomos chamadas em uma Emef. A diretora nos disse que o Estado não oferece cuidadores e que se ele não se adaptasse, ficaria em uma sala separada com outras 2 crianças também especiais. Fomos a tão falada secretaria da educação e nos informaram que o sistema dá prioridade, não as crianças especiais, e sim, a crianças que vem de outros estados! Ou seja, estamos em setembro e se não fosse esta escola especial, meu neto estaria em casa o dia inteiro…As leis são boas, mas as instituições são falhas e os sistemas também!!!! Tudo o que se refere a autismo, virou um comércio lucrativo! Tratamentis carrisimos! E o que é gratuito, deixa muito a desejar! Nem os convênios não cobrem os tratamentos necessários! E a realidade é que ninguém se preocupa muito. Mas o que muitos não percebem, é que a cada dia o número de crianças com espectro autista aumenta e não estamos preparados para isso. Nem no Brasil, nem em outros Países!
Olá Ruth. Muito obrigada por seu relato. Sua realidade demostra a escassez e a falta de responsabilidade dos Estados e Municípios frente a responsabilidade com o Poder Publico e seus acessos na educação, assistência social e saúde. É uma luta incessante a nossa. A dignidade de nossas famílias necessita ser levada em consideração, ser respeitada. Sigamos fortes na luta e na preservação de nossos direitos. Pq vivemos um momento de muito ataque também. Muita saúde a vc Ruth.